MENTES CONFINADAS
Entrevista de Edgar Morin (99 anos), publicada no Le Monde (19/04/2020)
Que esta crise sirva para abrir nossas mentes,
há tanto tempo confinadas no imediato.
— A pandemia decorrente desse tipo de coronavírus era previsível?
EDGAR MORIN. Todas as futurologias do século XX que previam o futuro transpondo para a frente as correntes que permeavam o presente desmoronaram. E no entanto se continua prevendo 2025 e 2050 apesar de não se conseguir entender 2020. A experiência das irrupções do imprevisto na história não penetrou muito nas consciências. Acontece que a chegada de um imprevisível era previsível, mas não a sua natureza. Donde a minha permanente máxima: "Esteja preparado para o inesperado."
Além do mais, eu fazia parte da minoria que previa catástrofes em série provocadas pelo desenfreado descontrole da globalização tecno-econômica, inclusive catástrofes decorrentes da degradação da biosfera e da degradação das sociedades. Mas de modo algum eu previ a catástrofe viral. Houve contudo um profeta dessa catástrofe: Bill Gates, numa conferência de abril de 2012, afirmando que o perigo imediato para a humanidade não era nuclear, mas sanitário. Ele enxergou na epidemia de ebola, que por sorte foi rapidamente controlada, o prenúncio do risco mundial de um possível vírus de forte poder de contaminação, enumerando as medidas de prevenção necessárias, entre elas equipamentos hospitalares adequados. Mas apesar dessa advertência pública, nada foi feito nos Estados Unidos nem em nenhum outro lugar. Pois o conforto intelectual e o hábito têm horror das mensagens que os incomodam.
— Como explicar o despreparo da França?
Em muitos países, entre eles a França, a estratégia econômica dos fluxos tensos, substituindo a da estocagem, deixou nosso sistema sanitário carente de máscaras, instrumentos de teste, aparelhos respiratórios; somado à doutrina liberal de comercialização do hospital e redução dos seus recursos, isto contribuiu para a evolução catastrófica da epidemia.
— Com que tipo de imprevisto essa crise nos defronta?
Essa epidemia nos traz um festival de incertezas. Não temos certeza da origem do vírus: mercado insalubre de Wuhan ou laboratório próximo, ainda não sabemos que mutações o vírus sofre ou poderá sofrer em sua propagação. Não sabemos quando a epidemia vai regredir nem se o vírus continuará endêmico. Não sabemos até quando e até que ponto o confinamento vai nos impor impossibilidades, restrições, racionamento. Não sabemos quais serão os desdobramentos políticos, econômicos, nacionais e planetários das restrições causadas pelo confinamento. Não sabemos se devemos esperar o pior, o melhor, uma mistura dos dois: caminhamos para novas incertezas.
— Essa crise sanitária planetária seria uma crise da complexidade?
Os conhecimentos se multiplicam de maneira exponencial, e com isto ultrapassam nossa capacidade de apropriá-los, e sobretudo lançam o desafio da complexidade: de que modo encarar, selecionar e organizar esses conhecimentos de maneira adequada, interligando-os e integrando a incerteza? Para mim, isto revela mais uma vez a carência do modo de conhecimento que nos foi inculcado, que nos leva a separar o que é inseparável e reduzir a um único elemento o que forma um todo ao mesmo tempo uno e diverso. E com efeito a revelação fulminante dos transtornos pelos quais passamos é que tudo que parecia separado está ligado, pois uma catástrofe sanitária catastrofiza em série a totalidade do que é humano.
É uma tragédia que o pensamento disjuntivo e redutor reine absoluto em nossa civilização e esteja no comando na política e na economia. Esta formidável carência levou a erros de diagnóstico e de prevenção, assim como a decisões aberrantes. Acrescento que a obsessão da rentabilidade entre os nossos dominantes e dirigentes levou a economias criminosas, como no caso dos hospitais, e ao abandono da produção de máscaras na França. Na minha opinião, as carências no modo de pensamento, somadas à dominação incontestável de uma sede desenfreada de lucro, são responsáveis por inúmeros desastres humanos, entre os quais os que vêm ocorrendo desde fevereiro de 2020.
— Nós tínhamos uma visão unitária da ciência. Acontece que no seu próprio âmbito vêm se multiplicando debates epidemiológicos e controvérsias terapêuticas. Será que a ciência biomédica se transformou num novo campo de batalha?
É perfeitamente legítimo que a ciência seja mobilizada pelo poder para lutar contra a epidemia. Entretanto, os cidadãos, inicialmente tranquilizados, sobretudo quando veio à tona o remédio do professor Raoult,* descobrem em seguida opiniões diferentes e mesmo contrárias. Os cidadãos mais bem informados descobrem que certos grandes cientistas têm relações de interesse com a indústria farmacêutica, cujos lobbies exercem enorme poder junto aos ministérios e aos meios de comunicação, capazes de inspirar campanhas para ridicularizar as ideias que não se adequam a eles.
Cabe aqui lembrar o professor [Luc] Montagnier, que junto com alguns outros, e enfrentando os grandes mandarins da ciência, descobriu o HIV, o vírus da Aids. É um bom pretexto para lembrarmos que a ciência não é um repertório de verdades absolutas (ao contrário da religião), e que suas teorias são biodegradáveis sob o efeito de novas descobertas. As teorias reconhecidas tendem a se tornar dogmáticas nas altas esferas acadêmicas, e são os que se desviam, de Pasteur a Einstein, passando por Darwin e Crick e Watson, os descobridores da dupla hélice do ADN, que permitem às ciências avançar. É que as controvérsias, longe de serem anomalias, são necessárias para esse avanço. Mais uma vez, no desconhecido, tudo avança por tentativa e erro, e também por inovações desviantes inicialmente incompreendidas e rejeitadas. É assim a aventura terapêutica contra os vírus. Podem surgir remédios onde menos se esperava.
A ciência foi devastada pela hiperespecialização, que é o fechamento e a compartimentalização dos saberes especializados, em vez de servir para sua comunicação. E foram sobretudo pesquisadores independentes que desde o início da epidemia estabeleceram uma cooperação que agora se amplia entre infectólogos e médicos de todo o planeta. A ciência vive de comunicações, qualquer censura a bloqueia. Devemos portanto enxergar a grandeza da ciência contemporânea e ao mesmo tempo suas fraquezas.
— Em que medida é possível tirar partido da crise?
No meu ensaio Sobre a crise (Sur la crise, Flammarion), tentei mostrar que uma crise, além da desestabilização e da incerteza que traz, se manifesta pela falência das regulações de um sistema, que, para manter sua estabilidade, inibe ou reprime os desvios (feedback negativo). Ao deixarem de ser reprimidos, esses desvios (feedback positivo) se transformam em tendências ativas que, se vierem a se desenvolver, ameaçam cada vez mais desregular e bloquear o sistema em crise. Nos sistemas vivos e sobretudo nos sociais, o desenvolvimento vitorioso dos desvios que se transformam em tendências levará a transformações, regressivas ou progressivas, e mesmo a uma revolução.
A crise numa sociedade provoca dois processos contraditórios. O primeiro estimula a imaginação e a criatividade na busca de soluções novas. O segundo pode ser a busca da volta a uma estabilidade passada ou a adesão a uma salvação providencial, assim como a denúncia ou a imolação de um culpado. Esse culpado pode ter cometido os erros que provocaram a crise ou pode ser um culpado imaginário, bode expiatório a ser eliminado. E com efeito assistimos a uma disseminação simultânea de ideias desviantes e marginalizadas: volta à soberania, Estado previdenciário, defesa dos serviços públicos contra privatizações, volta dos meios de produção aos países de origem, desglobalização, antineoliberalismo, necessidade de uma nova política. Determinadas pessoas e ideologias são consideradas culpadas. E também assistimos, na carência dos poderes públicos, a uma proliferação da imaginação solidária: produção alternativa diante da carência de máscaras, por empresas convertidas ou pela confecção artesanal, agrupamento de produtores locais, entregas gratuitas em domicílio, ajuda mútua entre vizinhos, refeições gratuitas para os sem-teto, guarda de crianças; além disso, o confinamento estimula a capacidade de auto-organização para remediar a perda de liberdade de deslocamento com a leitura, a música, os filmes. Desse modo, autonomia e inventividade são estimuladas pela crise.
— Estaríamos assistindo a uma autêntica conscientização da era planetária?
Espero que a excepcional e mortífera epidemia que estamos vivendo nos traga a consciência não apenas de que somos arrastados para o interior da incrível aventura da Humanidade, mas também de que vivemos num mundo ao mesmo tempo incerto e trágico. A convicção de que a livre concorrência e o crescimento econômicos são panaceias sociais escamoteia a tragédia da história humana que é agravada por essa convicção. A loucura eufórica do trans-humanismo leva ao paroxismo o mito da necessidade histórica do progresso e também da dominação pelo homem não só da natureza, como do seu destino, prevendo que o homem vai alcançar a imortalidade e controlar tudo pela inteligência artificial. Acontece que nós somos jogadores/jogados, possuidores/possuídos, poderosos/débeis. Embora possamos adiar a morte pelo envelhecimento, jamais poderemos eliminar os acidentes mortais em que nossos corpos são esmagados, jamais nos livraremos dos vírus e bactérias que constantemente se modificam para resistir a remédios, antibióticos, antivirais, vacinas.
— A epidemia não teria acentuado o ensimesmamento doméstico e o fechamento geopolítico?
A epidemia mundial do vírus gerou e, no nosso país, agravou terrivelmente uma crise sanitária que provocou formas de confinamento que asfixiam a economia, transformando um modo de vida extrovertido e voltado para o exterior numa introspecção voltada para o lar e causando uma crise violenta na globalização. Esta havia criado uma interdependência, mas sem que essa interdependência fosse acompanhada de solidariedade. Pior ainda, ela provocara, em reação, formas étnicas, nacionais e religiosas de confinamento que se agravaram nas primeiras décadas deste século.
Diante disso, à falta de instituições internacionais e mesmo europeias capazes de reagir com uma solidariedade de atos, os Estados nacionais se voltaram sobre si mesmos. A República Tcheca chegou a roubar máscaras destinadas à Itália que passavam por seu território, e os Estados Unidos desviaram em proveito próprio um estoque de máscaras chinesas inicialmente destinadas à França. A crise sanitária desencadeou, assim, uma engrenagem de crises que se concatenaram. Essa policrise ou megacrise se estende do existencial ao político, passando pela economia, do individual ao planetário, passando por famílias, regiões, Estados. Em suma, um minúsculo vírus numa cidade esquecida da China desencadeou a total transformação de um mundo inteiro.
— Quais os contornos dessa deflagração mundial?
Como crise planetária, ela chama a atenção para o destino comum de todos os seres humanos num vínculo inseparável com o destino bio-ecológico do planeta Terra; e simultaneamente intensifica a crise da humanidade que não consegue se constituir como humanidade. Como crise econômica, ela abala os dogmas que governam a economia e ameaça se agravar em caos e escassez no nosso futuro. Como crise nacional, ela revela as carências de uma política que favoreceu o capital em detrimento do trabalho e sacrificou a prevenção e a precaução para aumentar a rentabilidade e a competitividade. Como crise social, ela traz à crua luz do dia as desigualdades entre os que vivem em pequenos apartamentos cheios de crianças e pais e os que puderam escapar para sua residência de veraneio.
Como crise civilizacional, ela nos leva a perceber as carências de solidariedade e a intoxicação consumista desenvolvidas pela nossa civilização, exigindo que reflitamos por uma política de civilização (Une politique de civilisation, com Sami Naïr, Arléa, 1997). Como crise intelectual, deverá nos revelar o enorme buraco negro na nossa inteligência, que torna invisíveis para nós as evidentes complexidades do real.
Como crise existencial, ela nos leva a nos questionar sobre nosso modo de vida, nossas verdadeiras necessidades, nossas reais aspirações mascaradas nas alienações da vida cotidiana, a estabelecer a diferença entre o divertimento pascaliano que nos desvia das nossas verdades e a felicidade que encontramos na leitura, na escuta ou na visão das obras-primas que nos permitem encarar de frente o nosso destino humano. E sobretudo, que ela sirva para abrir nossas mentes — há tanto tempo confinadas no imediato, no secundário e no frívolo — para o essencial: o amor e a amizade, pelo nosso desabrochar individual, a comunidade e a solidariedade dos nossos "eu" em "nós", o destino da Humanidade, da qual cada um de nós é uma partícula. Em suma, que o confinamento físico possa favorecer o desconfinamento das mentes.
— O que é o confinamento? E como o está vivendo?
A experiência do confinamento prolongado em casa imposto a uma nação é uma experiência inusitada. O confinamento do gueto de Varsóvia permitia que os habitantes circulassem por ele. Mas o confinamento do gueto preparava a morte e nosso confinamento é uma defesa da vida. Eu o tenho suportado em condições privilegiadas, apartamento térreo com jardim onde pude desfrutar ao sol da chegada da primavera, muito protegido por minha esposa, Sabah, com vizinhos amáveis que fazem nossas compras, me comunicando com os mais próximos, os entes queridos, meus amigos, solicitado pela imprensa, o rádio ou a televisão para dar meu diagnóstico, o que tenho feito por Skype. Mas sei que desde o início os que são muito numerosos em moradias acanhadas sofrem muito com essa superpopulação, que os solitários e sobretudo os sem-teto são vítimas do confinamento.
— Quais poderiam ser os efeitos de um confinamento prolongado?
Eu sei que um confinamento duradouro será cada vez mais vivenciado como um obstáculo. Os vídeos não substituem por muito tempo a ida ao cinema, os tabletes não substituem por muito tempo as visitas à livraria. O Skype ou o Zoom não permitem contato carnal, o tilintar das taças brindando. O alimento doméstico, mesmo excelente, não elimina o desejo do restaurante. Os filmes documentários não eliminam a vontade de estar in loco vendo a paisagem, cidades e museus, nem vão me tirar o desejo de voltar à Itália e à Espanha. A limitação ao indispensável também dá sede de supérfluo. Espero que a experiência do confinamento modere a excitação compulsiva, a viagem a Bangcoc para voltar com recordações a serem contadas aos amigos, espero que contribua para diminuir o consumismo, vale dizer, a intoxicação consumidora e a obediência aos estímulos publicitários, em proveito de alimentos sadios e saborosos, de produtos duráveis e não descartáveis. Serão necessários outros estímulos e novas formas de conscientização, entretanto, para que ocorra uma revolução nesse terreno. Mas existe a esperança de que a lenta evolução iniciada se acelere.
— Como será, na sua opinião, o que se está chamando de "o mundo de depois"?
Para começo de conversa, o que nós, cidadãos, vamos tirar, o que os poderes públicos vão tirar da experiência de confinamento? Uma parte apenas? Será tudo esquecido, cloroformizado ou folclorizado? O que parece muito provável é que a propagação do digital, amplificada pelo confinamento (trabalho à distância, teleconferências, Skype, uso intensivo da Internet), vai continuar, com seus aspectos ao mesmo tempo negativos e positivos, que não vêm ao caso nesta entrevista. Vamos ficar no essencial. O fim do confinamento será início de saída da megacrise ou seu agravamento? Boom ou depressão? Enorme crise econômica? Crise alimentar mundial? Prosseguimento da globalização ou recuo autárquico?
Qual será o futuro da globalização? O neoliberalismo abalado vai reassumir o comando? As nações gigantes vão se opor mais que no passado? Os conflitos armados, mais ou menos atenuados pela crise, vão se intensificar? Haverá um impulso internacional salvador de cooperação? Assistiremos a algum progresso político, econômico, social, como ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial? Será que vai se prolongar e se intensificar o despertar de solidariedade provocado durante o confinamento, não só em relação aos médicos e enfermeiras, mas também com os que estão no fim da linha, lixeiros, trabalhadores manuais, entregadores, caixas, sem os quais não teríamos sobrevivido, embora tenhamos perfeitamente dispensado o Medef e o Cac 40?* As inúmeras práticas solidárias dispersas antes da epidemia acaso serão ampliadas? Os desconfinados vão retomar o ciclo cronometrado, acelerado, egoísta, consumista? Ou haverá um novo impulso da vida de convivência e amorosidade em direção a uma civilização em que haja lugar para a poesia da vida, na qual o "eu" desabroche num "nós"?
* Respectivamente o Movimento das Empresas da França, federação equivalente a uma Fiesp no Brasil, por exemplo; e o índice da Bolsa de Paris que reúne as quarenta principais empresas do país. (N. T.)Não temos como saber se, depois do confinamento, as condutas e ideias inovadoras terão um impulso, ou mesmo revolucionarão a política e a economia, ou se a ordem abalada vai se restabelecer. Temos fortes motivos para temer a regressão generalizada que já se verificava nos vinte primeiros anos deste século (crise da democracia, corrupção e demagogia triunfantes, regimes neoautoritários, surtos nacionalistas, xenófobos, racistas). Todos esses retrocessos (e na melhor das hipóteses estagnações) são prováveis enquanto não surgir a nova via política-ecológica-econômica-social guiada por um humanismo regenerado. Essa via multiplicaria verdadeiras reformas, que não são reduções orçamentárias, mas reformas de civilização, de sociedade, ligadas às reformas de vida. Ela combinaria (como indiquei em La Voie) termos contraditórios: "globalização" (para tudo que seja cooperação) e "desglobalização" (para estabelecer uma autonomia sanitária de abastecimento de víveres e salvar os territórios da desertificação); "crescimento" (da economia das necessidades essenciais, do durável, da agricultura de fazenda ou orgânica) e "decrescimento" (da economia do frívolo, do ilusório, do descartável); "desenvolvimento" (de tudo que produza bem-estar, saúde, liberdade) e "envolvimento" (nas solidariedades comunitárias).
— O senhor conhece as grandes questões kantianas — Que posso saber? Que devo fazer? Que posso esperar? Que é o homem? — que sempre foram e continuam sendo as questões da sua vida. Que atitude ética se deve adotar diante do imprevisto?
O pós-epidemia será uma aventura incerta na qual se desenvolverão as forças do pior e do melhor, sendo estas ainda fracas e dispersas. Consideremos enfim que o pior não é certo, que o improvável pode acontecer e que, no titanesco e inextinguível combate entre os inimigos inseparáveis que são Eros e Tânatos, é sadio e tonificante tomar o partido de Eros.
— Sua mãe, Luna, teve a gripe espanhola. E o trauma pré-natal que dá início ao seu mais recente livro tende a mostrar que ele lhe conferiu uma força de vida, uma extraordinária capacidade de resistir à morte. O senhor continua sentindo esse elã vital mesmo no auge dessa crise mundial?
A gripe espanhola deixou minha mãe com uma lesão cardíaca e a recomendação médica de não ter filhos. Ela tentou dois abortos, o segundo não deu certo, mas a criança nasceu quase morta asfixiada, estrangulada pelo cordão umbilical. Talvez eu tenha adquirido no útero forças de resistência que ficaram comigo a vida inteira, mas só fui capaz de sobreviver com a ajuda dos outros, o ginecologista que me esbofeteou durante meia hora até eu dar o primeiro grito, depois a sorte durante a Resistência, o hospital (hepatite, tuberculose), Sabah, minha companheira e esposa. É verdade que o "elã vital" não me abandonou; e inclusive aumentou durante a crise mundial. Toda crise me estimula, e esta, enorme, me estimula enormemente.